Alimentação: valor nutritivo x peso
02.08.2002
Essa semana eu encomendei a última coisa que faltava para a caminhada, fechando com chave de ouro – ou melhor, de dólar – todo o processo de planejamento: a comida para a segunda metade da trilha, do Vermilion Valley Resort (VVR) até o Monte Whitney. Esse resort, que fica próximo à John Muir, é um ponto tradicional de passagem daqueles que estão percorrendo essa trilha e precisam se reabastecer para continuar o caminho. Certamente é um ponto de encontro e um porto seguro dos andarilhos que perambulam pela Sierra Nevada. Todas as informações que eu obtive atestam que o pessoal recebe, de bom grado e mais US$ 6,00 por caixa, os pacotes com comida e outras tralhas mais, que devem ser enviados com uma antecedência de umas 2 semanas da data prevista de chegada do caminhante ao resort. Esse prazo deve-se ao fato de que eles descem somente uma vez por semana à civilização para, dentre outras coisas, irem ao correio. Como cortesia pela visita, não é cobrada a primeira noite de um caminhante que passa por lá. Tirando o fato de que sua caixa com comida estará te esperando lá no resort, a noite gratuita não é um motivo suficiente para uma visita. Mas... uma antiga tradição do lugar, sim. O antigo dono, que morreu ano passado, recebia os caminhantes com uma cerveja!!! Imagine você chegando do mato, depois de uma semana comendo a mesma coisa todos os dias, e ver uma cerveja vindo na sua direção. É como adentrar no paraíso com toda a pompa e solenidade. Espero de coração, e com a garganta seca desde já, que essa tradição tenha sido mantida. Para chegar ao VVR, pega-se uma trilha lateral no quilômetro 142 da John Muir (sentido norte-sul), no vale do Rio Mono (Mono Creek) e, 1600 metros depois, chega-se a um pequeno atracadouro na margem norte do Lago Edison, de onde é possível alcançar o resort de barco, duas vezes por dia. A pé, são uns 9 quilômetros, distância considerável para quem certamente estará dando o reino e o universo por aquela cerveja...
Existem outras duas opções de acesso a locais de reabastecimento bem próximos à trilha: do quilômetro 92 (sentido norte-sul), anda-se uns 800 metros até o Reds Meadow Resort, de onde é necessário pegar um ônibus até a cidade de Mammoth Lakes. Portanto, não só "muito" próximo do início da caminhada como é necessário se locomover até uma cidade, o que quebra o espírito da viagem. O outro local é estrategicamente localizado no meio da John Muir, no quilômetro 175 (sentido norte-sul), de onde uma trilha lateral de 2 quilômetros (Florence Lake Trail) conduz o montanhista até o Muir Trail Ranch. Desvantagem: US$ 45,00 para guardarem seus suprimentos!!! Além disso, esse local é direcionado às pessoas que estão viajando pela Sierra Nevada a cavalo, com toda uma infraestrutura direcionada às necessidades dos cavalos e seus cavaleiros e amazonas. Portanto, além do valor cobrado, existe uma questão de coerência às minhas convicções ecológicas para não querer passar por ali: área de preservação não é lugar de cavalo, ou qualquer outro animal do mesmo porte, pelo impacto causado tanto às trilhas quanto à vegetação. Tudo isso considerado, acabei escolhendo o VVR, que, sem esquecer a distância que ainda me separa da John Muir, acredito ter o melhor custo-benefício-facilidade-afinidade dos três. Existem outros acessos a locais de reabastecimento ao longo da trilha; mas todos, sem exceção, exigem, no mínimo, dois dias para se chegar aos respectivos destinos. Razão mais do que suficiente para passar batido por essas bifurcações indicadas no livro Guide to the John Muir Trail.
Voltando à questão do cardápio, esse é um assunto sobre o qual tenho me preocupado já há algum tempo. O processo de pensar em uma alimentação saudável no dia-a-dia acabou influenciando no que levar para as caminhadas. Assim, para a primeira metade da John Muir, escolhi levar comida natural, como lentilha, arroz integral, cereais, frutas secas, batata, alguns temperos e etc, no lugar das comidas liofilizadas ou desidratadas. Numa caminhada longa, de 15/16 dias ou mais, durante à qual o organismo é muito exigido, uma comida natural e altamente nutritiva é essencial, minimizando, com cargas elevadas de energia, a desvantagem do peso. Além disso, peso de comida é uma coisa que diminui à medida que os dias vão passando. Portanto, acredito ser mais saudável economizar peso de equipamento (com inteligência e bom senso, naturalmente) do que de comida, pois se estivermos mal alimentados, não há equipamento que nos salve.
Infelizmente, não poderei ter o mesmo tipo de alimentação para a segunda metade da trilha pois tenho somente 5 dias nos EUA antes da caminhada, tempo insuficiente para que uma caixa com suprimentos chegue a tempo lá no VVR. A solução será me alimentar muito bem antes e durante a primeira metade para compensar a comida de astronauta na fase final. Para essa segunda metade, planejei um cardápio para 8 dias com aquelas comidas liofilizadas vendidas em lojas de camping e montanhismo – pós mágicos que, em contato com água quente, misteriosamente se transformam em macarrões e carnes e verduras e outras coisas mais. Ela foi encomendada, via Internet, numa loja nos EUA na última terça-feira (30/07), e solicitada sua remessa diretamente para o VVR. Ontem pela manhã, quinta-feira (01/08), recebi um e-mail da loja confirmando que a encomenda acabou de ser enviada, exatamente no dia planejado meses atrás.
Realmente uma viagem começa muito antes do começo. Em Fevereiro passado, quando decidi pela realização da viagem em Agosto, montei um organograma de tudo o que tinha para fazer. E ao longo dos meses, tudo foi acontecendo exatamente como previsto e no tempo previsto. O prazer que se tem ao ver a viagem se estruturando de forma tão perfeita é, no mínimo, excitante. Além de ser um ótimo remédio contra uma emoção que não ajuda em nada nessas horas: a ansiedade. Um planejamento bem estruturado e bem conduzido nos dá confiança e tranqüilidade para mantermos a nossa concentração no que estamos fazendo naquele exato momento. Como se diz lá na roça, nunca coloque o carro na frente dos bois.